terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Pints, moitas e aniversariantes


O ônibus estava quase uma hora atrasado. Aquilo certamente não era um bom sinal. Então ele demora mais de uma hora só para sair de Santos. Definitivamente, não era um bom sinal. Cheguei no Jabaquara duas horas depois do que eu havia programado de shorts e blusa e, pasmem, estava muito frio. Era dia 11 de janeiro e eu estava com roupinha de verão - em volta eu via pessoas de botas e lencinho no pescoço.  
Depois da epopeia que foi chegar à São Paulo, o metrô. Quase uma hora lá dentro, o que foi tempo suficiente pra pensar que a roupa que eu tinha levado não tinha nada a ver com clima daquele dia. Calça de linho branca, blusa azul turquesa e sandálias estava mais pra Carminha no iate que pra sair no frio, mas tudo bem. Já estava ali mesmo, ia até o final.
Chegamos no bar.
Pints pra lá, pints pra cá... risadas de pessoas no mínimo bizarras assistindo o showzinho... cigarro... piñas coladas (?)... pessoas chegaram... pessoas se apresentaram... cigarro... tequilas... Danielle descobrindo que pessoas já tinham ido no Santo Forte... Danielle mostrando como se dança no Santos Forte... eu sendo chata falando sem parar sobre gestos... Juliana falando sobre minhas conquistas financeiras... pints... pessoas do Espírito Santo... tequilas pra Danielle... Danielle caindo na fila... “Não moço... exu não!!! Dança comigo!”... “Ginger, vc sabia que é ginger, né?” (12x)... Batatinhas no chão... taxi.
A noite no bar se resume mais ou menos na sequencia acima. Chegamos no prédio da Dani e enquanto eu acertava com o taxista ela saiu do carro. Eu saí do carro e não vi a Dani. Achei estranho, dei a volta no taxi, subi na calçada e vejo dois pés saindo de uma moita de espinhos. Não sei como uma goiana de 1,70 coube em uma moita e, não satisfeita com isso, entalou lá. Mordi a boca pra não rir. “Su, me tira daqui!!! Isso tá me arranhando!!! Ai meu Deus, o Shaaaaair, Úrsula, o Shaaaaair tá vendo tudo!!! Me ajuda, amiga... to me espetando inteira!!”.
Consegui tirar a Dani de lá e levá-la pra dentro do prédio. “Pega a shaaaaaaaaaave com o Shaaaaaaaaair! Pega a shaaaaaaaaaave com o Shaaaaaaaaair! Pega a shaaaaaaaaaave com o Shaaaaaaaaair!” Peguei a chave com o Jair e fomos para o apartamento.
Em 3 minutos ela estava dormindo.
O dia seguinte começou com o “Ain, amiga...” e muitas risadas, daquelas que eu me debato no sofá e não consigo terminar de contar o que aconteceu e, acredite, eu tive que contar muita coisa. Depois do café mais gostoso do mundo e de espinhos tirados das mãos, desci a Dna. Veridiana debaixo de uma chuvinha chata, mas gostosa; rindo com o coração apertado de saudade da companhia e das risadas, feliz pelos anos e anos de amizade, em saber que não poderia ter tido presente de aniversário melhor.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mãos


Fiquei feliz. Estava no meio do Gonzaga, agarrada na minha bolsa com receio de ser assaltada, quando cruzei com um dois caras. Eu já havia os vista uns metros antes e reparei que estavam de mãos dadas - eram um casal.

Acho andar de mãos dadas tão gostoso. Pra mim é o termômetro do envolvimento. Se você está saindo com alguém e ela começa a segurar sua mão em público, é sinal que as coisas estão indo bem e que ela não se importa em mostrar pra todo mundo que está com você. É afeto, carinho, dengo, afeição.

Até pouco tempo atrás eu andava de mãos dadas com a minha irmã mais velha na rua e até hoje ando de braços dados com meu pai. É um laço que se faz com a pessoa que caminha a seu lado. É o gostar na sua melhor essência.

A rua não estava tão movimentada assim, mas eu fiquei contente em ver que não havia olhares tortos de reprovação. Acho que todo mundo agiu como eu agi, olhou como se estivesse olhando a estampa da blusa da moça, o preço do vestido, o óculos da senhora ruiva.

As coisas mudam - ainda bem. Se não fosse assim, as mulheres não votariam, ainda teríamos escravos e usaríamos saias abaixo do joelho. Amor é amor, carinho é carinho... é tudo coisa boa, por que não mostrar? Eles não estavam se pegando, dando um amasso no meio do Gonzaga - o que também seria feio para um casal hétero. Estavam de mãos dadas e eu até senti uma pontinha de inveja do chamego que eles estavam.

Se o mundo vai acabar no dia 21? Acho que não, mas acredito que pode ser o começo de um novo.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Pelados


Uma hora a ficha cai e tudo fica claro. Mesmo que isso custe uns meses de terapia e uma grana a menos para gastar no fim de semana. Eu estava fazendo tudo errado  – tudo. Lógico que não percebi de uma hora para outra. Cortei cabelo, terminei namoro, limpei o armário. Fiz um quadro com metas de curto, médio e longo prazo.

O errado não eram as pontas secas, meu ex ou as roupas velhas. O fato é que eles não combinavam mais comigo e mereciam fazer a diferença na vida de outras pessoas, já que na minha eles já tinham cumprido esse papel. Fácil falar, difícil mesmo é desapegar, mas depois que tudo passa é só assistir um pouco de televisão  que a gente percebe uma coisa: dor mesmo é de quem perde a família toda em acidente de carro, mãe que perde filho, gente que fica paraplégico – o resto é fichinha.

A ficha caiu mesmo quando eu percebi o quanto é fácil a gente encher o armário de tranqueira. Roupas que não servem em você, de cores que você não gosta, estampas que você não é lá muito chegada, algumas até com furinho embaixo do braço. Elas chegam até a gente de várias formas, algumas estavam em promoção, outras até caem no seu quintal e já que estão ali, por que não colocá-las no seu armário? É tão fácil.

Outras parecem lindas de longe e pela etiqueta, são até do seu tamanho. Nesse caso até vale a pena se esforçar um pouco. Então juntamos nossas economias, fazemos esforços homéricos e compramos nossa roupinha dos sonhos. Quando levamos pra casa e provamos é que reparamos que ela não é bem do nosso tamanho. Mas ela é tudo que você sempre desejou, você queria tanto aquela peça, é claro que não vai desistir assim tão fácil. Quem, você? Depois de tanto trabalho? Prudentenmente você decide ficar com ela mesmo a coitada não sendo do seu tamanho. Afinal, qual o problema ela ser pequena demais? Ela vai mudar. Se ela for grande demais, você muda e engorda. Pronto, problema resolvido!  Só que não é bem assim. Lá no fundo você sabe que aquela peça não foi feita nos seus moldes e que ela não vai encolher ou crescer um centímetro.

Cabe a você decidir se vai tirá-la do seu armário de vez ou se vai desfilar com ela por aí com aquele sentimento de que a roupa não está bem em você. Lembre-se de a gente só consegue provar uma peça sem outra por baixo. Tem que se livrar de uma para colocar a outra.

Tem gente que não tem problema nenhum em trocar de roupa, fica anos no provador. O problema é que a vida está passando, amigos casando e ela lá, provando tudo que passa pela frente. Às vezes é tanta roupa, que uma com o número dela passou, ela nem vestiu, nem viu e passou à frente.

Mulher sabe que escolher roupa não é fácil, é preciso pensar, ver se combina com seu estilo de vida, se vai conseguir te acompanhar. Contudo, tem uma coisa que a gente sempre esquece de fazer. Já se olhou no espelho e viu se você engordou ou emagreceu? Se sim, onde? E pra isso, meus caros, é preciso ter muito peito pra ficar nu por aí se analisando. Pior ainda, recusar provar uma saia chinfrim que caiu no seu colo, pois bem provável que enquanto você esteja tentando fazer com que ela sirva em você ou até mesmo se livrando dela, o seu número passou e você nem viu.

Às vezes dá frio, às vezes seria bem mais gostoso estar vestindo alguma coisa, mas precisamos admitir que as melhores coisas da vida são feitas assim - pelados.

quarta-feira, 23 de março de 2011

My precious...

Ela sempre foi descolada e conseguia conversar com as pessoas das séries acima. Ele tinha uma cabelo medonho, era semi-gordo, mas já conhecia a galera. A outra sempre foi extrovertida e sempre mantinha contato com quem quer que fosse – até a menina que veio do Acre. Eu custei a aceitar que 7 era uma nota legal e que calça de veludo azul não deveria ser usada para ir ao shopping.
Passamos por aparelho nos dentes, baladas no Avelino’s, primeiro churrasco, primeiro tudo, primeiro zero em física com o João Bosco. Engordamos, esticamos o cabelo, emagrecemos, compramos roupas novas. Fizemos escolhas, erramos algumas, tentamos consertar algumas outras. A gente namorou, terminou, ficou solteiro, namorou novamente – não necessariamente nessa ordem. Alguns vieram, outros foram. A gente riu, chorou e algumas vezes choramos muito, em outras rimos muito também.
Ela é bióloga, mora em Londres e tem um coração do tamanho do mundo. Ele, às vezes eu acho que não existe, deve ter sido meu irmão em outra vida. Passou por tanta coisa e deve ser por isso que é tanto hoje. A outra, não é outra, é única e farmacêutica – e ama o que faz. Certamente é a pessoa que menos dorme no mundo e a única que topa de casamento árabe à balada crente.
E eu... eu amo tanto esses três... tenho tanto orgulho...
Posso ter perdido muita coisa pelo caminho, mas tenho absoluta certeza de que ganhei muitas, muitas outras.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A aniversariante

Fazer aniversário nas férias. Não tem coisa melhor não, é? Pois bem, uma certa garota ia fazer vinte e tantos anos e estava muito feliz porque tudo estava dando muito certo na vida dela. Aquela alegria que não se explica, mas que faz a gente sorrir pro velhinho passeando com o cachorro e brincar com a criança que está no colo da mãe na fila do pão. Talvez fossem as caminhadas diárias na praia, talvez fosse o contanto mais constante com amigos deliciosos de se conviver. O fato era que ela estava feliz.

Véspera de aniversário, ela foi para a cidade vizinha onde todos alguns amigos se encontrariam pra tomar uma cerveja e conversar. Duas grandes amigas, o namorado de uma e o irmão da outra. Chegando ao bar, surpresa. Uma mesa enorme com uns conhecidos – bem divertidos por sinal – que os fizeram juntar mesas e monopolizar o bar. Depois de muitas risadas que faziam doer a barriga, decidiram ir embora.

Contudo, a noite é uma criança. A aniversariante, sua amiga e o irmão da respectiva decidiram voltar para a cidade da moça e esticar um pouco a noite.

No bar que encontraram aberto conversaram com todos os presentes sentindo aquele torpor e falta de inibição de quem deveria ir pra casa e dormir. Tudo era engraçado e tudo o que queriam era que o bar não fechasse. Mas isso aconteceu. O que restou aos três foi pedir uma dose de gim para cada antes de ir.

A última memória da aniversariante é o gim caindo sobre as pedras de gelo no copo e o gosto único do sal com  limão na sua boca. Alguns flashs dos acompanhantes entrando em sua casa e nada mais.

O interfone tocou às 2 da tarde e acordou a moça na sua tarde de aniversário. Ela estava estirada na cama com as pernas caídas pela beirada, a maquiagem borrada e o cabelo desgrenhado davam a impressão de que ela havia fugido da rehab e o gosto de guarda chuva que sentia na boca a fez prometer que pelo menos naquele dia, não chegaria perto nem de álcool em gel. Ela não fazia idéia de onde vinha o som e demorou um pouco para entender o que estava acontecendo. Se arrastou pra fora da cama e tirou o aparelho do gancho.

Quem falava era uma mulher de voz ríspida e seca, chama-se Carmen e logo se anunciou como sub-síndica do prédio. Pediu para a moça descer pois tinham algo muito sério a ser conversado.

A aniversariante enfiou qualquer roupa, tentou juntar os tufos rebeldes de cabelo para traz da orelha, o que a deixou com cara de louca, e desceu ao encontro da magnânima.

- Olá querida, desculpe te acordar assim no dia do seu aniversário, mas algo muito chato aconteceu ontem aqui no prédio e eu não posso esperar mais para conversar com você.

A moça engoliu a seco e não fazia idéia do que havia acontecido. Será que ela havia tentado entrar no apartamento do vizinho? Isso já acontecera quando morava em outro prédio e estava um tanto alcoolizada. Flashes daquela noite vieram na sua mente, quando, às 5.30 da manhã, um homem desconhecido abriu a porta do apartamento que ela julgava ser seu e perguntou se ele era o novo namorado da menina com a qual ela dividia o apartamento. Lembrou da vergonha que sentiu quando viu a decoração do apartamento por traz dos ombros do homem e percebeu que estava no andar errado.

A voz da mulher grande, gorda, fedida e com bobs no cabelo tornou a ecoar no hall do prédio e fez a aniversariante voltar àquele momento. Estava curiosa.

- Pois bem, querida. Seus amiguinhos fizeram uma algazarra sem tamanho aqui ontem!

Como assim? Algazarra? Ela não lembrava de nada e a única coisa que conseguiu fazer em sua defesa foi colocar a mão direita na boca como sinal de total surpresa e descrença. A mulher continuou:

- Gritaram, esmurraram sua porta, acordaram todo mundo do seu andar, de outros andares e do prédio vizinho! Do prédio vizinho! O síndico teve que ir lá pra pedir pra eles pararem com a barulheira, para eles descerem. As pessoas não paravam de interfonar para a portaria por causa do barulho. Foi uma noite de caos que eu nunca vi aqui!

Nada fazia sentido. Nada. Ela não conseguia entender nada. Porque eles fariam essa barulheira? Ela franziu o cenho em silêncio e a fedida entendeu.

- Parece que a menina esqueceu a bolsa na sua casa, quando chegou no carro e percebeu que estava sem nada, voltou no seu apartamento. Como a porta estava fechada, tentaram te ligar, tocar a campainha, esmurraram a porta pra te acordar. Pelo visto acordaram a cidade inteira, menos você!

O motivo era óbvio, estava bêbada como um gambá na noite anterior. Lembrou-se de ter dado 20 reais para o garçon como gorjeta gritando a ele que usasse o dinheiro para comprar um panetone – isso nunca aconteceria em situações normais. Depois de se lembrar desse momento, entendeu que se alguém, naquele bar, tivesse acendido um cigarro ao seu lado, a quadra explodiria. Sendo assim, não era de se surpreender que tivesse apagado segundos após deitar. A aniversariante tentou se desculpar (e se livrar de uma multa). O desespero da amiga também era compreensível. O marido dela precisaria do carro dali algumas horas para trabalhar e ela não tinha como avisá-lo sobre o ocorrido – tudo estava na bolsa trancafiada no apartamento da bêbada adormecida.

- Nossa, dona Carmen. Peço mil desculpas. Não acredito que isso tenha acontecido, estou morrendo de vergonha! Isso nunca aconteceu antes!

Bem, na verdade aconteceu sim. Reclamações por barulho. Culpa da cama, culpa da paixonite que viajaria dali uma semana, culpa do som levemente alto assim como do timbre da voz das visitantes. Eram poucas, mas o interfone já havia tocado em seu apartamento algumas vezes com um coro de vizinhos irritados. Mas assim que era avisada de que estava sendo inconveniente, ela tomava as devidas providências para não importunar os outros. A última coisa que se deve querer é ser uma persona non grata em um prédio habitado por velhos. Dona Carmen parecia não saber do histórico da garota, e continuou:


- Olha filha, eu entendo, já tive sua idade e...

A velha falou mais que o Fidel Castro e passou pelo menos 45 minutos discorrendo sobre como escolher amigos, como uma mulher casada deveria se portar, como moças solteira devem agir, como o álcool pode causar câncer, como sua reputação de sub-síndica estava arranhada e outros assuntos interessantíssimos para uma jovem de ressaca. A aniversariante fingia prestar atenção na velha enquanto tentava vencer violentas ondas de enjôo. Mesmo pasma e envergonhada, ela desejou, por alguns instantes, sair correndo e gorfar na curva mais próxima, mas quis demonstrar controle e responsabilidade. Quando o discurso parecia ter tido um fim, Carmen arrematou:

- A gota d’agua foi o que o irmão da sua amiga fez!!!

Céus, o que mais poderia ter acontecido?

- Ele fez cocô no lixo do seu andar!!!

Ela fez força para não rir. Não que o fato fosse engraçado – de certa forma era. Mas a real razão é que aquela situação era surreal. Aquilo não podia ser verdade, parecia que ela estava em alguma pegadinha, que a qualquer momento o Rodrigo Faro ia aparecer com uma gincana. Era como assistir um dia ruim de uma outra pessoa. Ela não sabia o que falar e babulciou o mesmo pedido de desculpas que havia feito antes. Queria ir para seu apartamento e deitar a cabeça no travesseiro, ela pesava muito.

- Fez cocô e limpou com a meia!!!

O porteiro que limpou tudo veio confirmar a história. Ela não sabia o que fazer, se ria, se saía correndo, se pedia desculpas, se pedia logo a multa para parar de ouvir aquela mulher de voz desagradável. Por fim, depois de mais uns 30 minutos de um monólogo de Dona Carmen – dessa vez sobre respeito, lealdade, amor ao próximo e, mais uma vez, sua reputação abalada de co administradora do edifício – ela parou de falar.

A aniversariante não sabia muito bem o que sentir, se sentia raiva ou pena da amiga, do cagão, do porteiro e da velha de bobs. Na verdade, ela não queria sentir nada mesmo, o que ela realmente desejava era dormir mais umas 3 horas e comer macarrão.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Tensão no Busão

Poderia estar mandando emails, poderia estar corrigindo redações, poderia estar fazendo qualquer coisa mais útil, mas tive que sentar e escrever assim que cheguei ao trabalho. Não queria esquecer nenhum detalhe.
Existem coisas que eu realmente desejaria que meus olhos filmassem;  sinceramente às vezes sinto que só falta jogar uma lona em cima de mim porque minha vida é quase um circo.
Não vi nenhum garotinho de terno ônibus, no máximo uns senhores de conga e bermudinha a quatro dedos acima do joelho. Mas até aí, tudo normal, passei pelo corredor e ia me sentar no fundo do ônibus, onde existem cinco bancos um ao lado do outro. Um homem se sentou primeiro, bem no cantinho, perto da janela. Eu sentei perto dele, um banco nos separava. Nem reparei muito no cara, era um tipo normal, camiseta, chinelo, bermuda, uns 30 anos. Continuei ouvindo música e tentando identificar uma ou duas palavras do refrão. Nisso, abre-se um espaço imenso no ônibus, todos estavam se afastando do homem – e de mim. Diminuí o volume do rádio para entender o que estava acontecendo. Bem, ou meu companheiro de banco havia recebido o Espírito Santo e começou a falar a língua dos anjos ou ele estava muito doido de pedra.
Ele falava sem parar coisas desconexas que eu não tive coragem de aumentar o volume do rádio. Fiquei ouvindo sua retórica já que ele estava a cerca de meio metro de mim e eu não sabia o que fazer. Não sabia se mudando de lugar ele ia se sentir ofendido e fazer alguma coisa, mas também não sabia me fingir de cone da CET e ficar paradinha era seguro.
“Porque eu to te traindo Deus... é... tem que assinar? Assinar o que? Não vou assinar nadaaaa!!! Você tinha tudo pra ser minha mulher, a coisa dos meus olhos [ ininteligível] a piscina, a piscina!!!! Esse horário político, mas minha mulher não quero mais. Olha a foto, olha a minha foto!! Eu queria, mas eu, eu sei da piscina... bando de ladrão. Minha mulher? Não... não vou assinar! Assinar o que, filho da puta?!?! Bando de filho da puta!”
Enquanto ele mostrava o dedo do meio para os transeuntes, levantava, sentava, tudo bem. Fingi que nada estava acontecendo. De repente, não mais que de repente, em um espasmo, ele, sentado, virou seu braço direito e bateu no banco que estava entre nós. Fui para o banco ao lado diiiiiiscretamente para que ele não percebesse minha existência. O ônibus parou, algumas pessoas entravam. Entre elas, uma mulher com braços de mama Bruscheta, uma regata com estampa de guepardo agarrada e uma calça de veludinho marrom que praticamente embalava a mulher a vácuo. Ela sentou justamente onde eu estava antes.
O homem teve um segundo rompante e começou a discursar para a rua novamente e reiniciou sua sequencia de movimentos com os braços; a mulher quase enfartou, mas não saiu do lugar.  Neste momento meu ponto chegou e eu desci.
É, acho que não vou parar de andar de ônibus.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Supermercado

Só havia batatas na geladeira e uma cebola meio ressecada fazendo companhia a uns ovinhos. Achei prudente ir ao mercado. Na verdade meeeeesmo, estava afim de enrolar e arranjar uma desculpa pra não me sentir culpada por não ter trabalhado um pouco, maaaaas... é feriado, né?

Peguei minha sacola verde água de ráfia e me enveredei para o mercado. Adoro fazer compras. Adoro. Não importa se é na Zara de Paris, um achado na Besni ou tomates por 79 centavos. Comprar é um esporte que libera altíssimos níveis de endorfina em meu corpitcho. Escolher pasta de dente então? Um tesão! Sempre procuro as que branqueiam os dentes, mesmo tomando 43 litros de café por dia e sendo fã de shoyo.

Acabei que não comprei sabão em pó e não é porque eu não fiz lista, não. Fui no corredor e acabei enterpelada por uma senhora no mínimo muito, mas muito bizarra. Quando entrei no corredor dos materiais de limpeza ela já estava discursando para uma mulher que pela cara deveria estar alí há mais ou menos 7 horas a escutando. Quis ver o preço de um sabão que estava justamente atrás delas.

A moça enfadada lançou uma bomba ninja e sumiu! Exato, Fidel Castro me abordou e passou mais umas cinco horas desfiando os assuntos mais indispensáveis para a sabedoria humana. O sabão que fez suas mãos descascarem, o caldo de galinha que dá câncer, o suco em pó que dá câncer, o catchup que dá câncer, a alface que... dá câncer. Apesar da sua curiosidade em buscar doenças no meu carrinho, acho que contei uns dois terços da minha vida pra velha. Com adaptações, lógico. Mudei minha idade, profissão, local de trabalho por questões de segurança, mas de resto...

- Mas então vc mora sozinha, minha filha?
- Moro, mas vou me mudar em breve. Vou largar minha carreira de vendedora pra ser aeromoça.
- Aé?
- É, vou viver voando e terei moradia em Dubai .
- Nossa, mas e seu namorado?
- Ah, ele me apoia... assim vai ficar até mais fácil da gente se ver. Ele pilota.
- Benza Deus! Avião?
- Não, formula truck.